Resenha do livro Justine de Marques de Sade

O
livro Justine trata das dificuldades de duas irmãs desamparadas para sobreviver
na sociedade francesa, na época da revolução: Justine e Juliette. A primeira
sofrerá horrores para manter a sua virgindade, objeto de desejo de todos
aqueles que se aproximam dela. A segunda, não importa com sua virtude quando a
questão é a sobrevivência. É uma história que leva-nos a refletir sobre esses
questionamentos e a maneira como é explorado o sadismo, em supostos membros
sociais que deveriam ser exemplos para a sociedade, e chega a ser revoltante a
forma como Sade (sádico de natureza) explora os tormentos que afligiram a vida
de Justine. Mas no final do livro tem uma lição de moral, que me fez chorar!
Por Raquel Alves
Apresentando
o autor:
Donatien
Alphonses François de Sade ou mais conhecido no mundo literário como Marques de
Sade nasceu em 1740 e era filho da dama de uma princesa chamada Marie Eléonore
e o conde de Sade, o senhor Jean Baptiste-Joseph. Os estudos iniciais do jovem
escritor envolveram o aprendizado do latim e grego em instituições jesuítas. No
ano de 1755 se aventura ao ingressar na Cavalaria, sendo nomeado ou assumindo
diversas patentes como subtenente e capitão. (JORGE, s/d).
Marques
de Sade passou o equivalente a 30 anos de sua vida em celas de prisões
francesas, em decorrência de dívidas, atos violentos sexuais (sádicos,
masoquistas, flagelação), “festas de prazeres” (com sexo coletivo, diversos
parceiros, e sodomia, que “no século XVIII a sodomia ativa ou passiva era
passível de pena de morte” (JORGE, s/d, p. 06)), envenenamento (acusação feita
por Marguerite Coste, uma frequentadora das festas sexuais de Sade), cárcere
privado (de uma jovem pedinte chamada Rose Keller), “devassidão, blasfêmia,
profanação da imagem de Cristo” (JORGE, s/d, p. 04), rapto, mas geralmente era
libertado devido as suas influências e futuramente a posição social de sua
esposa, que sempre procurava ajudar o marido em seus problemas.
Depois
de sua primeira prisão em 1763, ao retornar a Paris, se apaixona por Colette e
depois Beauvoisin, atrizes. Neste mesmo ano, casa-se com Rennée de Montrevil, e
em 1767 nasce Louis-Marie, seu primeiro filho. Em 1769 nasce
Donatien-Claude-Armand, e por fim em 1771, nasce sua filha Madeleine-Laure.
Sade volta ao exército, se envolve em prisões, dentre elas a mais perigosa, que
por intermédio de sua mulher, conseguiu fugir. Contudo, na última vez que fora
preso, por sido acusado de raptar jovens, inclusive chegando a levar um tiro de
raspão “do pai de uma cozinheira do castelo, Catherine Treillet, também chamada
de Justine” (JORGE, s/d, p. 06), a senhora Montrevil, nora do Marques, decide
de uma vez por todas manter o pervertido sádico e imoral detrás das grades por
um bom período de tempo. Mais uma vez, Sade foge.
Contudo,
preso, agora é transferido para a Bastilha. Em cada prisão que esteve, escreveu
ou começou a rabiscar algumas de suas obras famosas. Em 1789 ocorre a Queda da
Bastilha, local onde estava preso o Marques, (um dos eventos da Revolução
Francesa). Em 1790 “é anulado as ordens de prisão e o marquês é liberto. Sua
mulher está no convento de Sainte-Aure e recursar-se a vê-lo” (JORGE, s/d, p.
07). No mesmo ano, se envolve com uma comediante chamada Marie-Constance Renel.
Em 1793, mesmo debilitado de saúde, é preso e adoece ainda mais, sendo liberto
em seguida.
No
período de 1801 a 1807, é novamente mantido “entre as jaulas prisionais”. O ano
de 1810 marca a morte da esposa do marquês, que está no convento. Sade morre em
1814.
Cronologicamente
está organizado sua vida literária:
“1782- Começa a escrever: O pensamento
inédito, O diálogo entre um[1]
padre e um moribundo e 120 dias de Sodomia.
1783- O Precavido e o marido crédulo
(comédia) e Jeanne Laisné (tragédia)
1786- Aline e Valcourt (começa a
escrever quando é transferido para a Bastilha)
1787- Escreve a obra Justine em apenas
16 dias e publica em 1791.
1791- Apresenta no teatro um drama:
Oxtiern ou As desgraças da libertinagem
1795- Publica A filosofia da alcova e
Aline e Valcour. A história de Justine é republicada e a irmã da personagem,
Juliette, ganha uma história também.
1801- Publica os Crimes de Amor e Uma
ideia sobre os romances
1807- Escreve Os Dias de Florbelle ou a
Natureza Desvendada (mas é destruído o manuscrito na prisão)
1812- Adelaide de Brunswick
1813- História secreta de Isabel da
Baviere e publica A marquesa de Gange”


Resumo
da Obra:
Juliette
e Justine são duas jovem francesas desamparadas. O pai fugira para a Inglaterra
e a mãe, morreu tempos depois, devido a enorme tristeza motivada pelo abandono
do seu parceiro. O destino foi o mestre que criou as meninas. Com pouco
dinheiro para se sustentarem, logo o convento lhes fecha as portas. Com 100
escudos (moeda), cada uma parte para caminhos separados.
“É porque só se gosta das pessoas por causa da ajuda ou dos agrados que se imagina que possa vir a receber” (Justine).
Juliette
conheceu uma senhora prostituta que lhe ensinou como usar seu corpo para obter
dinheiro fácil e ofereceu uma oportunidade de sobreviver a vida. Logo, casou-se
com o Conde de Lorsange e tratou de matá-lo para logo desfrutar de seu
dinheiro. Cometeu três infanticídios ao longo da vida e outros crimes.
Já
Justine, preferindo viver honestamente sem vender sua virtude, resolve pedir
ajuda a um padre, que tenta molestá-la.
“Quanto a desgraça que atormenta a virtude, o infeliz a quem a sorte persegue tem o consolo da sua consciência, e os prazeres secretos que colhe da sua pureza, logo o compensam da injustiça do homem” (Narrador).
Logo
a história nos leva para o futuro: uma jovem acusada de crimes como assassinato,
roubo e incêndio, vive com o senhor de Conville e sua esposa. Na presença
daqueles nobres cidadãos, a jovem que oculta seu nome, resolve conta-lhe suas
desgraças, narrando pois, sua vida.
“Esta virtude da qual fazeis tanto luxo de falar não serviu para nada neste mundo e fareis bem em entregá-la a alguém quando não tiverdes sequer um copo d’água para beber” (senhor Dubourg).
Mendigando pelos cantos, Justine é
acolhida por um velho avarento chamando Du Harpin e sua amante. É encarregada
de realizar os trabalhos domésticos.
“Já estava escrito na página dos meus
destinos que cada uma das minhas ações honestas para onde meu caráter me
levasse, deveria ser paga com uma desgraça” (Justine).
O
patrão logo manda prender Justine acusando-a de roubo, sendo que os verdadeiros
culpados sãos os próprios patrões da jovem.
“Aqui, acredita-se que a virtude é incompatível com a miséria, e nos tribunais, o infortúnio é uma prova completa contra o acusado” (Justine).
Na
prisão conhece uma ladra chamada Dubois que juntamente com seus comparsas,
incendeia o local. Ela oferece ajuda a Justine, e quando a menina desconfia de
Dubois, a mesma a obrigar a seguir em sua vida de crimes, a medida que
pressiona os delinquentes de seu bando a estuprar Justine. Aproveitando-se de
um briga para ver que primeiro estupra Justine, ela aproveita e foge.
Justine
presencia no bosque a relação sexual de dois homens: o jovem Adonis Bressac e
seu criado Jasmin. O jovem, temendo que Justine contasse o que viu, a leva para
casa antes de ameaçá-la casa se atreva a dizer a verdade. Justine confia na
senhora Bressac, que promete ajudá-la em seus problemas judiciais (o roubo e
incêndio na prisão). Levando uma vida como criada, Justine ousa sonhar com o
amor: está apaixonada por Adonis. Contudo, o jovem planeja atentar contra a
vida de sua mãe e pede que Justine o ajuda. A mesma concorda em ser sua
cúmplice, com medo de suas ameaças, mas conta tudo a condessa que fica
horrorizada com o que o filho planejava.
“Mas estava escrito no céu que esse crime abominável seria executado e que a virtude humilhada cederia aos esforços da perversidade” (Justine).

Chegando
em uma aldeia, bastante debilitada, um médico ajuda a curar suas feridas. Justine
passou dois anos vivendo na casa do médico, até que um dia, escuta um choro de
menina no porão, e suspeitando das maldades do doutor, liberta a garotinha. Sem
tempo para fugir, é surpreendida pelo médico, que a tortura e marca suas costas
a ferro. Depois, deixa Justine na floresta. Aos 22 anos de idade, Justine só
viu um mundo injusto e cruel.
“Doce solidão (...) como tua morada me causa inveja” (Justine).
Confiando
na santidade de religiosos, ela se dirige ao Convento de Recoletos, onde é
estuprada por quatro padres, perdendo pois sua virtude (sua virgindade), seu
maior bem.
“Eu provei num tal grau de violência que as dores da dilaceração de minha virgindade foram as menores que tive que suportar naquele perigoso ataque” (Justine)
Ali,
a moça torna-se prisioneira das depravações dos religiosos (para mim, as
depravações sexuais dos padres, tem muita intertextualidade com as do próprio
marques de Sade).
“A religião é para mim o efeito do sentimento e tudo que a ofende ou ultraje faz sangrar meu coração” (Justine).
Mesmo
em tal provação, Justine sempre vale da religião como uma esperança diante da
crueldade da vida e das pessoas que sempre utilizam-se da fraquezas de certas
pessoas, para sua ascensão social ou sexual. Os anos passam e com a chegada de
dois novos padres, as moças ou prisioneiras sexuais são libertas, sob a ameaça
de um sigilo absoluto de tudo que lá viveram.
“E tu, desgraçada criatura, sofre
sozinha, sofre sem te queixar, pois está escrito que as tribulações e os
sofrimentos devem ser a partilha
terrível da virtude” (Justine).
No
caminho fora de Lyon, conhece Dalville que se encontrava muito machucado. Ela o
ajuda e ele oferece um abrigo para a jovem. Dizendo morar com a esposa e que
precisava de uma criada, seduz Justine rumo a mais uma prisão: um falsário,
onde fora proposto “trabalhar em uma cisterna onde mais duas mulheres nuas e agrilhoadas,
moviam a roda que despejava água num reservatório” (p. 91).
“A ingratidão, em lugar de ser um vício, é, portanto, uma virtude das almas dos fortes, assim como a beneficência é a virtude das almas fracas” (Dalville).
Como
prova de sua superioridade, Dalville chicoteia Justine, sem motivo algum.
“Portanto, o homem é naturalmente mau, ele está no delírio das suas paixões quase sempre como na sua calma, e em todos os casos, os males do seu semelhante podem ser prazeres execráveis para ele” (Justine).
Já
rico com suas trapaças, Dalville vai embora, deixando um substituto nos
negócios: Roland, um homem aparentemente bom, que liberta as jovens daquele humilhante
trabalho e lhe emprega na oficina de cunhagem de moedas. Contudo, a polícia
logo chega ao local e prende a todos, levando-os para Grenoble.
O
magistrado ouve a história de Justine e não permite que ela vá para a forca.
Instala a jovem em um albergue e avisa que já está livre de todas as suas
supostas culpas. Reconhece naquele lugar a ladra Dubois, que agora já é
condessa. A mesma planeja roubar um comerciante que está encantado com Justine
e pede a ajuda da jovem. Sabendo que Justine iria alertar o senhor Dubrevil,
homem digno que promete casa-se com Justine, a ladra/condessa envenena o comerciante.
O amigo do comerciante acredita nas palavras de Justine e recomenda que a mesma
siga a senhora Bertrand.

Alojada
em um albergue em Villefranche, ocorre um incêndio. Na tentativa de salvar a
vida da filha de Bertrand, Justine escorrega e acaba deixando a criança cair
nas chamas. Notando que também fora roubada, a senhora Bertrand acusa Justine.
Testemunhas acabam confessando ter visto Justine em várias cenas dos crimes
descritos.
“Sabereis morrer inocente e pelo menos sem remorso” (Justine).
No
final da narrativa, Justine que omitira seu verdadeiro nome, usando o nome de
Sofia, diz ser Justine. A senhora de Lorsarge, trata-se pois de sua irmã
Juliette. As duas se abraçam e choram bastante. O senhor de Corville, amante de
Juliette, promete ajudar Justine. Escreve uma carta que chega nas mãos do rei
que com a ajuda de um advogado (o mesmo que encaminha Justine ao albergue assim
que o magistrado lhe absorve de seus crimes, antes de conhecer a senhora
Bertrand e dos infelizes acontecimentos) inocentam a jovem.
Mesmo
feliz, Justine não acredita nesse momento feliz, sentindo que a qualquer
momento a sombra da infelicidade baterá a sua porta. Em um dia tempestuoso, ela
é atingida por um raio e morre. Com esse acontecimento, Juliette se arrepende
de todos os seus crimes do passado e abandona o senhor Corville. Pede perdão a
providência e ingressa no Convento das Carmelitas.
“Oh, vós que ledes esta história, passai tirar dela o mesmo proveito daquela mulher mundana e corrigida; passais convencer-vos com ela que a verdadeira felicidade está somente no seio da virtude, e que se Deus quer que ela seja perseguida na Terra, é para preparar no céu a mais faustosa recompensa” (Narrador).
Referência: SADE, Marques de. Justine
ou Os Infortúnios da Virtude. Apresentação e tradução de Edimond Jorge. Editora
Entrelivros Cultural, s/d.
Apenas uma reflexão diante de tantas apresentadas nesta obra:
O mundo da heroína Justine não oferece
ajuda sem desejar possuir sua virtude, o seu bem mais precioso, diante da
miserável vida que leva. Todos querem corromper o seu caráter, apresenta-lhe
vícios, um caminho mais fácil de se obter de forma errada riquezas... Uma
sociedade de falso moralismo, movida a sadismo, crueldade... Poucos são aqueles
que se podem confiar. No mundo de hoje,
mudou-se os métodos (ou apenas camuflou-se), mas as pessoas são as mesmas,
tentando explorar e obter vantagem das pessoas mais “fragilizadas” psicologicamente,
sexualmente ou socialmente. Em se tratando especificamente da “virtude”, há um
universo de apelo sexual que a todo custo diz aos jovem que desfaçam-se o mais
rápido possível de suas virtudes, sem levantar ao menos, um questionamento
sobre as consequências e outras escolhas que você pode ter na vida. Algumas
ideias de Freud eu discordo, mas concordo quando ele diz que muito dos
problemas da nossa sociedade estão ligados ou relacionados com a sexualidade.
Enfim, discutir sobre a virtude parece ainda ser algo bem complexo e nada de ultrapassado, não é?
4 comentários
Muito obrigado por tanto esmero em sua resenha. Conseguiu proporcionar uma visão bastante completa da epopeia de Justine.
ResponderExcluirSuas considerações finais acerca da obra, fecham com louros seu trabalho.
Obrigado pelo empenho... boa sorte!
Eu é que agradeço o tempo que você dispôs para acessar meu blog e ler esta resenha. Boa sorte pra você também!
ExcluirExcelente resenha, está de parabéns 👏🏽👏🏽👏🏽 super concordei com o seu final :) continuarei lendo seu blog.. abraço :3
ResponderExcluirOi querida! Tudo bem? Fico feliz com suas palavras. Para mim, é sempre uma honra ter mais uma boa leitora em meu blog. Sinta-se sempre em casa. Grande beijo *-*
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